sábado, 17 de novembro de 2007

O ovo & ela

New York 1946, Elliot Erwitt

A recordação da felicidade já não é felicidade.
A recordação da dor ainda é dor.

Lord Byron

Ela tinha um ovo. Era só um ovo, que estranhamente viu crescer em seu pé esquerdo depois de um dia exaustivo de trabalho. Inflamação, diagnosticou o médico. E ela aceitou que fosse. Durante toda a semana anterior, ela conviveu com o ovo fazendo compressas, massageando e passando pomada na tentativa de amenizar a dor. Doía muito. Ela sentia cada milímetro do ovo. A identificação aconteceu naturalmente. Ela não podia mais andar. Encostar o pé no chão era um suplício! Foi quando resolveu tomar a medicação.

Tentou inutilmente telefonar para os amigos, não estavam. Nem online, pasmem! Todos “busy” demais, pensou. O mundo não parou com ela. Nem para ela. Foram dias de exclusão social: não podia beber nem sair. Ela gostava de uns goles mais quentes, gostava do torpor, de ver gente arrumada na noite, da meia luz, mas não podia beber nem sair. E sua vida foi se resumindo ao “não poder”. Não podia isso, não podia aquilo. Era só ela e o ovo. O ovo e ela.

E toda aquela impossibilidade se transformou em comida e sono. Dormia horas a fio. Só queria saber de dormir. Comia, tomava o remédio e dormia. Não parecia querer perceber as mudanças no seu corpo. E não percebeu, porque não estava ali. Ou melhor, não queria estar - ela estando.

E foi assim por sete longos dias. Até que, sem querer, ela se despediu do seu – fiel – amigo ovo, sem lhe dizer adeus.
(Adriana Schimit)

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