quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Amigos & Solidão

Clarice Lispector entrevista Nelson Rodrigues.

É surpreendente como Nelson consegue captar - em palavras - o que a gente só percebe na intuição e cala. Segue um trecho da conversa:

- Nelson, você se referiu à solidão. Você se sente um homem só?
- Só ponto de vista amoroso eu encontrei a Lúcia. E é preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal.

- Ah, Nelson, isto é tão verdadeiro.
- Mas, diante do resto do mundo eu sou um homem maravilhosamente só. Uma vez fiquei gravemente doente, doente de morrer. Recebi em três meses de agonia, três visitas, uma por mês. Note-se que a minha doença foi promovida em primeiras páginas. Aí, eu sofri na carne e na alma esta verdade intolerável: o amigo não existe.

- Nelson, como consequência do meu incêndio, passei quase três meses no hospital. E recebia visitas até de estranhos. Eu não sou simpática. Mas o que é que eu dei aos outros para que viessem fazer companhia? Não acredito que não se tenha amigos. É que são raros. Ou eu dou muito pouco ou os outros não aceitam o que eu tenho para dar.
- Mas você tem sucesso real - e sucesso real vem quando se dá alguma coisa aos outros. Você dá. Certa vez fui a uma capelinha ver um colega morto. Eram duas da manhã. Uma mocinha saiu do velório ao lado com um caderninho na mão. Fez uma mesura para mim e disse: "quero ter a honra de apertar a mão do autor de A vida como ela é". E me pediu um autógrafo. Eu senti que estava vivendo um momento da pobre ternura humana. Eis o que eu queria dizer: o amigo possível e certo é o desconhecido com que cruzamos por um instante e nunca mais. A esse podemos amar e por esses podemos ser amados.. O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência.

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